O missionário Adoniram Judson levou o Evangelho até a Ásia e traduziu a Bíblia para o birmanês.
Decorria o ano de 1824. Os oficiais do rei da Birmânia (actual Myanmar) – país que fica nas margens do Golfo de Bengala, no Sudeste Asiático tinham acabado de saquear o lar missionário de Adoniram e Ann Judson, levando tudo o que acharam de “valioso”. No entanto, o tesouro mais precioso havia passado despercebido: o manuscrito de uma porção da Bíblia, traduzida por Adoniram Judson, que sua esposa Ann enterrara sob a casa.
Acusado de espionagem, Adoniram, um missionário magro e de corpo pequeno, ficou encarcerado por quase dois anos numa prisão infestada por mosquitos. Ele e outros 60 condenados à morte ficaram encerrados num edifício sem janelas, escuro, abafado e imundo. Durante aquele período, a sua esposa conseguiu entregar-lhe um travesseiro – para que ele pudesse dormir melhor no duro chão de areia da prisão -, além de livros, papéis e anotações que ele usava para continuar a tradução da Bíblia para O birmanês. Dentro da cadeia, além das traduções, que ele escondia dentro do seu travesseiro, Adoniram evangelizava os presos.
O episódio descrito é parte da história do americano Adoniram Judson (1788 – 1850), o primeiro missionário cristão na Birmânia, que, por 30 anos, perseverou no seu trabalho de evangelização, apesar das doenças e perseguições constantes que sofria por pregar o Evangelho naquele país.
Em 1819 – seis anos depois de sua chegada à Birmânia – Judson conseguiu o seu primeiro convertido. Dois anos depois, já havia uma igreja fundada no país. Em 1837, havia 1144 convertidos na Birmânia. Em 1880, esse número passou a sete mil, distribuídos por 63 igrejas. Em 1950, cem anos depois de sua morte, existiam mais de 200 mil cristãos na Birmânia, na sua maioria, resultantes da mensagem que Judson deixara naquele país. Dizia ele: “Muitos cristãos consagrados jamais atingirão os campos missionários com seus próprios pés, mas poderão alcançá-los com os seus joelhos.”
Vida e Obra – Aquele amor à Palavra de Deus tinha história. Adoniram Judson nasceu em Malden, no estado americano de Massachussetts. Filho do pastor congregacional Adoniram Judson e de Abigail Brown Judson, o jovem Adoniram trabalhou arduamente num moinho do pai. Tinha de caminhar muito até chegar à escola e tinha intensa devoção à Igreja.
A sua mãe ensinou-lhe a ler um capítulo inteiro da Bíblia quando tinha apenas quatro anos. Nos anos seguintes, frequentou a New London Academy e depois a Brown University, onde entrou com apenas 16 anos. Naquele período em que o ateísmo, proveniente da França, chegava com força aos Estados Unidos, o jovem Adoniram teve uma crise existencial. Recém diplomado, aos 19 anos, ele surpreendeu os pais quando disse que não acreditava mais na existência de Deus e que iria escrever peças de teatro. Estava-se no ano de 1807.
Saiu de casa, mas, quando seguia para a casa de um tio, teve uma experiência que mudou a sua vida por completo. No fim de uma noite, procurou um lugar para dormir numa pensão. O proprietário disse que só tinha um quarto que ficava ao lado de outro em que estava uma pessoa muito doente. A voz agonizante de um homem no quarto ao lado só o deixou dormir ao fim da madrugada. Ao acordar, Adoniram soube que aquele homem havia morrido, e tomou um susto ao saber que se tratava de Jacob Eames, um céptico e descrente que ele conhecera na faculdade; e que também abandonara o Evangelho pelos ideais ateístas.
A notícia da morte de Eames atingiu o seu coração como uma flecha. Foi, então, para Plymouth, onde assistiu a dezenas de palestras de pregadores cristãos. Em 1808, decidiu estudar para o ministério e entrou no seminário teológico de Andover. No ano seguinte, fez uma profissão pública de fé na igreja do pai e sentiu o desejo de tornar-se missionário.
Na época, escrevia a Ann, então sua noiva: Em tudo o que faço, pergunto a mim mesmo: Isto agradará ao Senhor? […] Hoje, tenho sentido grande alegria perante o Seu trono.
Os pais de Judson queriam que ele aceitasse pregar numa igreja de Boston, mas recusou o convite. Tinha o mundo no seu coração. Em Fevereiro de 1810, fundou, com quatro amigos pastores, a Junta Americana de Missões Estrangeiras, ligada à Associação Geral de Ministros Congregacionais de Bradford, em Massachussetts.
Casou-se com Ann em 5 de Fevereiro de 1812, e apenas 12 dias depois, o casal partiu para Calcutá, na Índia, junto com os quatro pastores amigos de Judson. Ann foi a primeira missionária a deixar os EUA. Durante a viagem, dedicaram-se ao estudo das Escrituras. No entanto, ao chegarem a seu destino, a guerra fez com que eles deixassem o país. Como havia uma embarcação pronta para ir a Rangum, na Birmânia, o casal decidiu viajar nela. O percurso não foi fácil. Ann, que estava grávida, adoeceu no navio. Deu à luz o seu primeiro filho, que morreu em seguida. Eles chegaram a Rangum exaustos, em Julho de 1813. Ann, muito adoentada, desembarcou numa padiola. Aquela experiência era um preliminar do que o casal ainda haveria de enfrentar.
Saída da prisão – A experiência na prisão, relatada no início desta biografia, não foi o único problema enfrentado pelo casal Judson na Birmânia. Depois de sair da cadeia – indultado pelo Supremo Tribunal de Justiça do reino birmanês, em Novembro de 1825, viu a segunda filha do casal, Maria, morrer de febre amarela. Em Outubro de 1826, Ann faleceu, também vítima da doença.
Adoniram mudou-se, então, para o interior da Birmânia, onde completaria a tradução do Antigo Testamento para o birmanês, em 1834, no mesmo ano em que se casou pela segunda vez, com Sarah, com quem teve oito filhos. Em 1837, Adoniram concluiu a tradução do Novo Testamento. Em 1845, Sarah faleceu, e ele retornou aos Estados Unidos, 33 anos depois do início da sua viagem à Ásia. Tanto interesse gerado pela sua experiência na Birmânia rendeu a Judson uma plateia inesperada. Grandes multidões corriam para ouvi-lo pregar em solo americano, pois tornara-se numa lenda.
Em Junho de 1846, casou-se pela terceira vez, com a escritora Emily Chubbock, e voltou no ano seguinte para a Birmânia para revisar mais uma vez o dicionário hirmanês-inglês que concluíra em 1826.
Muito doente, Judson foi aconselhado a fazer uma viagem marítima para se recuperar, mas veio a falecer no navio, em 12 de Abril de 1850. Emily morreu quatro anos depois. Mas a frase que ele mais repetia nas suas pregações tornou-se uma realidade: Eu não deixarei a Birmânia até a mensagem da cruz ser plantada aqui para sempre. Palavras proféticas de um verdadeiro herói da fé.
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