Tiago Taylor tinha-se levantado cedo de madrugada. Chegara por fim o auspicioso e anunciado dia de seu casamento; o moço ocupava-se em arrumar tudo para receber a noiva na casa que iam ocupar. Enquanto trabalhava, estava meditando sobre as ocorrências recentes na aldeola.
Duas famílias, a dos Cooper e a dos Shaw, converteram-se e convidaram João Wesley a pregar na feira. O velho discursou sobre “a ira vindoura” de tal maneira, que o povo desistiu da amarga perseguição, deixando o intrépido pregador hospedar-se na casa do senhor Shaw.
Enquanto Tiago preparava a casa para a chegada da noiva, ouvia-se a voz da vizinha, a senhora Shaw, cantando. Lembrou-se de como ela, meses antes, passava todo o tempo acamada, gemendo dia após dia por causa do reumatismo que a deixara aleijada. Mas quando “confiou no Senhor”, como disse, para a cura imediata, grande foi a transformação. E indizível foi a surpresa do marido ao voltar a casa: a esposa não somente estava curada e de pé, mas estava varrendo a cozinha!Tiago Taylor odiava a religião. Ainda mais: esse era o dia em que se ia casar. Depois do casamento iam dançar e beber como se fazia em tais ocasiões. Mas não podia livrar-se das palavras, talvez ouvidas do sermão do pregador: “Porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor.”
Sim, ia ter uma esposa e assumir as responsabilidades de marido e de pai de família. Grande tinha sido seu descuido. Resolvido, então, a entrar seriamente na vida de casado, começou a repetir as palavras: “Serviremos ao Senhor!”
As horas se passavam. O sol subia mais e mais sobre as casas cobertas de neve. Mas o jovem Tiago, esquecido de tudo que é material, e tomado pela realidade das coisas eternas, permaneceu de joelhos, face a face com Deus. O amor do Salvador, por fim, venceu o seu coração e Tiago Taylor levantou-se com a alma cheia do Senhor Jesus.
Podemos imaginar como os sinos dobraram, como a noiva e os convivas se impacientaram, nesse dia. Já havia passado a hora para o culto de casamento quando o jovem despertou do enlevo com Deus e se levantou da oração. Depois de vestir-se, venceu rapidamente os três quilômetros até o vilarejo de Royston.
Sem perderem tempo em perguntar ao rapaz a razão de tanto atraso, realizou-se o culto, e Tiago e Elisabete saíram da igreja, casados. O jovem não vacilou, mas ao sair contou tudo acerca da sua conversão, ao ouvido de Bete. Ao ouvir o que ele relatava, ela exclamou em tom de desespero: “Casei-me, então, com um desses metodistas!”
Não houve dança nesse dia; a voz e o violino do noivo foram usados para glorificar o Mestre. Bete, apesar de saber em seu coração que Tiago tinha razão, continuou a resistir e a queixar-se dia após dia. Então, certo dia, quando se mostrava ainda mais contrariada, o robusto Tiago levantou-a nos braços e a levou para o quarto, onde se ajoelhou ao seu lado, derramando a sua alma em oração por ela. Comovida pela profundeza da mágoa e cuidado que Tiago sentia por sua alma, ela começou a sentir também seu pecado e, no dia seguinte, de joelhos, ao lado do marido, Elisabete Taylor clamou a Deus, renunciando a vaidade do mundo e entregando-se a Cristo.É, assim, com os bisavós, que começa a verdadeira biografia do herói da fé, Hudson Taylor. Os avós e os pais, na mesma ordem, criaram seus filhos no mesmo temor de Deus.
Num memorável dia, antes do nascimento de Hudson, o primogênito da família, o pai procurou a sua esposa para conversar sobre uma passagem das Escrituras que o impressionava profundamente. Na sua Bíblia leu para ela uma parte dos capítulos 13 de Êxodo e 3 de Números: “Santifica-me todo o primogênito… Todo o primogênito meu é… Meus serão… Apartarás para o Senhor…”
Os dois conversaram muito tempo sobre o gozo que esperavam ter. Então, de joelhos, entregaram seu primogênito ao Senhor, pedindo que desde já ele o separasse para a sua obra.
Tiago Taylor, o pai de Hudson, não somente orava fervorosamente por seus cinco filhos, mas ensinou-os a pedirem detalhadamente a Deus todas as coisas. Ajoelhados, diariamente, ao lado da cama, o pai colocava o braço ao redor de cada um enquanto orava insistentemente por ele. Desejava que cada membro da família passasse, também, ao menos meia hora, todos os dias, perante Deus, renovando a alma por meio de oração e estudo das Escrituras.
A porta fechada do quarto da sua mãe, diariamente ao meio-dia, apesar das suas constantes e inumeráveis obrigações, tinha também grande influência sobre todos, pois sabiam que ela, assim, se prostrava perante Deus para renovar suas forças e para que o próximo se sentisse atraído ao Amigo invisível que habitava nela.
Não é de admirar, portanto, que, ao crescer, Hudson se consagrasse inteiramente a Deus. O grande segredo do seu incrível êxito é que em tudo que carecia, no sentido espiritual ou material, recorria a Deus e recebia dos tesouros infinitos.
Contudo, não devemos julgar que a mocidade de Hudson Taylor fosse isenta de grandes lutas. Como acontece com muitos, o moço chegou à idade de dezessete anos sem reconhecer Cristo como seu Salvador. Acerca disso ele escreveu mais tarde:“Pode ser coisa estranha, mas sou grato pelo tempo que passei no ceticismo. O absurdo de crentes que professam crer na Bíblia enquanto se comportam justamente como se não existisse tal livro, era um dos maiores argumentos dos meus companheiros céticos. Freqüentemente afirmava que, se eu aceitasse a Bíblia, ao menos faria tudo para seguir o que ela ensina e no caso de achar que tal coisa não era prática, lançaria tudo fora. Foi essa a minha resolução quando o Senhor me salvou. Acho que desde então realmente provei a Palavra de Deus. Certamente nunca me arrependi de confiar nas suas promessas ou de seguir a sua direção.
“Quero relatar então como Deus respondeu às orações da minha mãe e da minha querida irmã, por minha conversão:
“Certo dia, para mim inesquecível,… para me divertir, escolhi um tratado na biblioteca de meu pai. Pensei em ler o começo da história e não ler a exortação do fim.
“Eu não sabia o que acontecia ao mesmo tempo no coração da minha querida mãe, que estava a mais de cem quilômetros de casa. Ela levantara-se da mesa anelando a salvação de seu filho. Estando longe da família e livre da lida doméstica, entrou no seu quarto, resolvida a não sair antes de receber a resposta às suas orações. Orou hora após hora, até que, por fim, só podia louvar a Deus: o Espírito Santo revelou-lhe que o filho por quem orava já se havia convertido.
“Eu, como já mencionei, fui dirigido ao mesmo tempo a ler o tratado. Fui atraído pelas palavras: A obra consumada. Perguntei-me a mim mesmo: “Por. que o escritor não escreveu: A obra propiciatória? Qual é a obra consumada?” Então vi que a propiciação de Cristo era plena e perfeita. Toda a dívida de nossos pecados ficou paga e não restava coisa alguma que eu fizesse. Então raiou em mim a gloriosa convicção; fui iluminado pelo Espírito Santo, para reconhecer que eu somente precisava de prostrar-me e, aceitando o Salvador e a sua salvação, louvá-lo para todo o sempre.
“Assim, enquanto a minha querida mãe, no seu quarto, de joelhos, estava louvando a Deus, eu também louvava a Deus na biblioteca de meu pai, onde entrara para ler o livrinho.”
Foi assim que Hudson Taylor aceitou, para a sua própria vida, a obra propiciatória de Cristo, um ato que transformou todo o resto da sua vida. Acerca da sua consagração, ele escreveu:
“Lembro-me bem da ocasião, quando, com gozo no coração, derramei a alma perante Deus, repentinamente, confessando-me grato e cheio de amor porque Ele tinha feito tudo – salvando-me quando eu não tinha mais esperança, nem queria a salvação. Supliquei-lhe que me concedesse uma obra para fazer, como expressão do meu amor e gratidão, algo que envolvesse abnegação, fosse o que fosse; algo para agradar a quem fizera tanto para mim. Lembro-me de como, sem reserva, consagrei tudo, colocando a minha própria pessoa, a minha vida, os amigos, tudo sobre o altar. Com a certeza de que a oferta fora aceita, a presença de Deus se tornou verdadeiramente real e preciosa. Prostrei-me em terra perante Ele, humilhado e cheio de indizível gozo. Para que serviço fora aceito eu não sabia. Mas fui possuído de uma certeza tão profunda de não pertencer mais a mim mesmo, que esse entendimento, depois dominou toda a minha vida”.
O moço que entrou no quarto para estar sozinho com Deus nesse dia, não era o mesmo quando dali saiu. Um alvo e um poder se apossaram dele. Não mais ficou satisfeito em somente alimentar a sua própria alma nos cultos; começou a sentir a sua responsabilidade para com o próximo – anelava tratar dos negócios de seu Pai. Regozijava-se com riquezas e bênçãos indizíveis. E, como os leprosos no arraial dos siros, Hudson e sua irmã, Amélia, diziam: Não fazemos bem; este dia é de boas novas, e nos calamos. Desistiram, pois, de assistir aos cultos aos domingos à noite e saíram para anunciar a mensagem, de casa em casa, entre as classes mais pobres da cidade. Mas Hudson Taylor não se sentia satisfeito; sabia que ainda não estava no centro da vontade de Deus. Na angústia de seu espírito, como aquele da antiguidade, clamou: Não te deixarei ir, se me não abençoares. Então, sozinho e de joelhos, surgiu na sua alma um grande propósito: se Deus rompesse o poder do pecado e o salvasse em espírito, alma e corpo para toda a eternidade, ele renunciaria tudo na terra para ficar sempre ao seu dispor. Acerca desta experiência, foi ele mesmo que se expressou:
“Nunca me esquecerei do que senti então; não há palavras para descrever. Senti-me na presença de Deus, entrando numa aliança com o Todo-poderoso. Pareceu-me que ouvi enunciadas as palavras: Tua oração é ouvida; todas condições são aceitas.’ Desde então nunca duvidei da convicção de que Deus me chamava a trabalhar na China.”
A chamada de Deus, apesar de Hudson Taylor quase nunca a mencionar, ardia como um fogo dentro do seu coração. Copiamos a seguir o seguinte trecho de uma das cartas enviada a sua irmã:
“Imagina, centenas de milhões de almas sem Deus, sem esperança, na China! Parece incrível; milhões de pessoas morrem dentro de um ano sem qualquer conforto do Evangelho!… Quase ninguém liga importância à China, onde habita cerca da quarta parte da raça humana… Ora por mim, querida Amélia, pedindo ao Senhor que me dê mais da mente de Cristo… Eu oro no armazém, na estrebaria, em qualquer canto onde posso estar sozinho com Deus. E ele me concede tempos gloriosos… Não é justo esperar que V… (a noiva de Hudson) vá comigo para morrer no estrangeiro. Sinto profundamente deixá-la, mas meu Pai sabe qual é a melhor coisa e não me negará coisa alguma que seja boa…”
A falta de espaço não permite relatarmos aqui o heroísmo da fé que o jovem mostrou suportando os sacrifícios e as privações necessárias para cursar a escola de medicina e de cirurgia para melhor servir o povo da China.
Antes de embarcar, escreveu estas palavras à sua mãe: “Anelo estar aí uma vez mais e sei que a senhora quer verme, mas acho melhor não nos abraçarmos um ao outro mais, pois isso seria encontrarmo-nos para logo nos separarmos para todo o sempre…” Contudo a sua mãe foi ao porto de onde o navio se ia fazer à vela. Alguns anos depois ele assim registrou a partida:”A minha querida mãe, que agora está com Cristo, veio a Liverpool para despedir-se de mim. Nunca me esquecerei de como ela entrou comigo no camarote em que eu ia morar quase seis longos meses. Com o carinho de mãe, endireitou os cobertores da pequena cama. Assentou-se ao meu lado e cantamos o último hino antes de nos separarmos um do outro. Ajoelhamo-nos e ela orou. Foi a última oração de minha mãe antes de eu partir para a China. Ouviu-se então o sinal para que todos os que não eram passageiros saíssem do navio. Despedimo-nos um do outro, sem a esperança de nos encontrarmos outra vez… Ao passar o navio pelas comportas, e quando a separação começou a ser realidade, do seu coração saiu um grito de angústia tão comovente, que jamais esquecerei. Foi como que meu coração fosse traspassado por uma faca. Nunca reconheci tão plenamente até então, o que significam as palavras: Pois assim amou Deus ao mundo. Estou certo de que a minha preciosa mãe, nessa ocasião, chegou a compreender mais do amor de Deus para com um mundo que perece do que em qualquer outro tempo da sua vida. Oh! como se entristece o coração de Deus ao ver como seus filhos fecham os ouvidos à chamada divina para salvar o mundo pelo qual seu amado, seu único Filho sofreu e morreu!”
Os passageiros de navios modernos conhecem muito pouco do incômodo de viajar em navio à vela. Depois de uma das muitas tempestades por que passou o “Dumfries”, o nosso herói escreveu: “A maior parte do que possuo está molhado. O camarote do comissário, coitado, inundou-se…” Somente pelas orações e grandes esforços de todos a bordo é que conseguiram salvar as próprias vidas quando o navio, levado por grande temporal, estava prestes a naufragar nas pedras da praia de Gales. A viagem que esperavam realizar em quarenta dias levou cinco meses e meio! Somente em 1 de março de 1854, Hudson Taylor, com a idade de vinte e um anos, conseguiu desembarcar em Shanghai, quando então ele escreveu estas impressões:
“Não posso descrever o que senti ao pisar em terra. Parecia-me que o coração ia estourar; as lágrimas de gratidão e gozo corriam-me pelas faces.”Sobreveio-lhe, então, uma grande onda de saudade; não havia amigos, nem conhecidos, nem qualquer pessoa em todo o país para saudá-lo bem-vindo nem mesmo alguém que conhecesse o seu nome.
Nesse tempo a China era terra incógnita, a não ser os cinco portos no litoral, abertos à residência de estrangeiros. Foi na casa de um missionário em Shanghai, um dos cinco portos, que o moço achou hospedagem.
A vitória em todas as variadas provações nesse tempo era devida à característica mais saliente de Hudson Taylor, talvez a de nunca ficar parado na sua obra, fosse qual fosse o contratempo.
Durante os primeiros três meses na China, distribuiu 1.800 Novos Testamentos e Evangelhos e mais de 2 mil livros. Durante o ano de 1855, fez oito viagens – uma de trezentos quilômetros, subindo o rio Yangtzé. Em outra viagem visitou cinqüenta e uma cidades onde nunca antes se ouvira a mensagem do Evangelho. Nessas viagens foi sempre prevenido do perigo que corria a sua vida entre um povo que nunca tinha visto estrangeiros.
Para ganhar mais almas para Cristo, apesar da censura dos demais missionários, adotou o hábito de vestir-se como os chineses. Rapou a cabeça na frente, deixando o resto dos cabelos a formar trança comprida. A calça, que tinha mais de meio metro de folga, ele a segurava conforme o costume, com um cinto. As meias eram de chita branca, o calçado de cetim. O manto pendendo dos ombros, sobressaía-lhe a ponta dos dedos das mãos mais que setenta centímetros.
Mas uma das cruzes mais pesadas que o nosso herói teve de levar foi a falta de dinheiro, quando a missão que o enviara se achava sem recursos.
Em 20 de janeiro de 1858, Hudson Taylor casou-se com Maria Dyer, uma missionária de talento na China. Desse enlace nasceram cinco filhos. A casa em que moraram primeiro, na cidade de Ningpo, tornou-se depois o berço da famosa Missão do Interior da China.
As privações e os encargos de serviço em Shanghai, Ningpo e outros lugares eram tais que Hudson Taylor, antes de completar seis anos na China, foi obrigado a voltar à Inglaterra para recuperar a saúde. Foi para ele quase como que uma sentença de morte quando os médicos informaram-lhe de que nunca mais devia voltar à China.
Entretanto, o fato de perecerem mais de um milhão de almas todos os meses na China era uma realidade para Hudson Taylor; com seu espírito indômito, ao chegar à Inglaterra, iniciou imediatamente a tarefa de preparar um hinário e a revisão do Novo Testamento para os novos convertidos que deixara na China. Usando ainda o traje de chinês, trabalhava tendo o mapa da China na parede e a Bíblia sempre aberta sobre a mesa. Depois de alimentar-se e fartar-se da Palavra de Deus, fitava o mapa, lembrando-se dos que não tinham tais riquezas. Todos os problemas ele os levava a Deus; não havia coisa alguma demasiado grande, nem tão insignificante, que a não deixasse com o Senhor em oração.
Em razão de suas atividades, estava tão sobrecarregado de correspondência e nos trabalhos dos cultos em prol da China, que após a sua chegada passaram-se mais de vinte dias antes de conseguir abraçar seus queridos pais em Bransley.
Passava, às vezes, a manhã, outras vezes a tarde, em jejum e oração. O seguinte trecho que ele escreveu mostra como a sua alma continuou a arder nos seus discursos nas igrejas da Inglaterra, sobre a obra missionária.
“Havia a bordo, entre os companheiros de viagem, certo chinês que se chamava Pedro. Passara alguns anos na Inglaterra, mas, apesar de conhecer algo do Evangelho, não reconhecia coisa alguma do seu poder para salvar. Senti-me ligado a ele e esforcei-me em orar e falar para levá-lo a Cristo. Mas quando o navio se aproximava de Sung-Kiang e eu me preparava para ir a terra, pregar e distribuir tratados, ouvi o grito de um homem que caíra na água. Fui ao convés com os outros – Pedro tinha desaparecido.
“Imediatamente arriamos as velas, mas a correnteza da maré era tal que não tínhamos a certeza do lugar onde o homem caíra. Vi alguns pescadores próximos, que usavam uma rede varredoura. Angustiado clamei:
– Venham passar a rede aqui, pois um homem está morrendo afogado!- Veh bin, foi a resposta inesperada, isto é, “Não é conveniente”.
– Não falem se é ou não é conveniente. Venham depressa antes que o homem pereça.
– Estamos pescando.
– Eu sei! Mas venham imediatamente e pagarei bem.
– Quanto nos quer dar?
– Cinco dólares, mas não fiquem conversando. Salvem o homem sem demora!
– Cinco dólares não basta – responderam eles. Não o faremos por menos de trinta dólares.
– Mas não tenho tanto! – darei tudo que eu tenho.
– Quanto tem o senhor?
– Não sei – porém não é mais do que catorze dólares. “Então os pescadores vieram, passaram a rede no lugar indicado. Logo à primeira vez apanharam o corpo do homem. Mas todos os meus esforços para restaurar-lhe a respiração foram inúteis. Uma vida fora sacrificada pela indiferença dos que podiam salvá-la quase sem esforço.”
Ao ouvirem contar esta história, uma onda de indignação passou por todo o grande auditório. Haveria em todo o mundo um povo tão endurecido e interesseiro como esse! Mas ao continuar o seu discurso, a convicção feriu ainda mais o coração dos ouvintes.
– “O corpo então tem mais valor que a alma? Censuramos esses pescadores, dizendo que foram culpados da morte de Pedro, porque era coisa fácil salvá-lo. – Mas que acontece com os milhões que estamos deixando perecer para toda a eternidade? Que diremos acerca da ordem implícita: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura? Deus nos diz também: ‘Livra os que estão destinados à morte, e os que são levados para a matança, se os puderes retirar. Se disseres: eis que não o sabemos; porventura aquele que pondera os corações não o considerará? e aquele que atenta a tua alma não o saberá? não pagará ele ao homem conforme a sua obra?’
– “Credes que cada pessoa entre esses milhões da China, tem uma alma imortal e que não há outro nome debaixo do céu, dado entre os homens a não ser o precioso nome de Jesus, pelo qual devamos ser salvos? – Credes que Ele,Ele só, é o Caminho, a Verdade e a Vida e que ninguém vai ao Pai senão por Ele? Se assim o credes, examinai-vos a vós mesmos para ver se estais fazendo todo o possível para levar seu nome a todos.
“Ninguém deve dizer que não é chamado para ir à China. Ao enfrentar tais fatos, todas as pessoas precisam saber se têm uma chamada para ficarem em casa. Amigo, se não tens certeza de uma chamada para continuar onde estás, como podes desobedecer à clara ordem do Salvador, para ir? – Se estás certo, contudo, de estares no lugar onde Cristo quer, não por causa do conforto ou dos cuidados da vida, então estás tu orando como convém a favor dos milhões de perdidos da China? Estás tu usando teus recursos para a salvação deles?”
Certo dia, não muito depois de haver regressado à Inglaterra, Hudson Taylor, ao completar a estatística, veio a saber que o número de missionários evangélicos na China diminuira em vez de aumentar. Apesar de a metade da população pagã estar na China, o número de missionários durante o ano tinha diminuído de cento e quinze para somente noventa e um. Começaram a soar aos ouvidos do missionário estas palavras: “Quando eu disser ao ímpio: Certamente morrerás; não avisando tu, não falando para avisar o ímpio acerca do seu caminho ímpio, para salvar a sua vida. aquele ímpio morrerá na sua maldade, mas o seu sangue da tua mão o requererei”.
Era um domingo, 25 de junho de 1865, de manhã, à beira-mar. Hudson Taylor, cansado e doente, estava com alguns amigos em Brighton. Mas não podendo suportar mais o regozijo da multidão na casa de Deus, retirou-se para andar sozinho nas areias da maré vazante. Tudo em redor era paz e bonança, mas na alma do missionário rugia uma tempestade. Por fim, com alívio indizível, clamou: “Tu, Senhor, tu podes assumir todo o encargo. Com tua chamada, e como teu servo, avançarei, deixando tudo nas tuas mãos.”
Assim “a Missão do Interior da China foi concebida na sua alma e todas as etapas do seu progresso realizaram-se por seus esforços. Na calma do seu coração, na comunhão profunda e indizível com Deus, originou-se a missão.”Com o lápis na mão, abriu a Bíblia e, enquanto as ondas do vasto mar batiam aos seus pés, escreveu as simples mas memoráveis palavras: “Orei em Brighton pedindo vinte e quatro trabalhadores competentes e dispostos, em 25 de junho de 1865”.
Mais tarde, recordando-se da vitória dessa ocasião escreveu:
“Grande foi o alívio de espírito que senti ao regressar da praia. Depois de findar o conflito, tudo era gozo e paz. Parecia que me faltava muito pouco para voar até a casa do senhor Pearse. Na noite desse dia dormi profundamente. A querida esposa achou que a visita a Brighton serviu para renovar-me maravilhosamente. Era verdade!”
O vitorioso missionário, juntamente com a família e os vinte e quatro chamados por Deus, embarcaram em Londres, no “Lammermuir”, para a China em 26 de setembro de 1865. O anelante alvo de todos era o de erguer a bandeira de Cristo nas onze províncias ainda não ocupadas da China. Alguns dos amigos os animaram, mas outros disseram: “Todo o mundo ficará esquecido dos irmãos. Sem uma junta aqui na Inglaterra ninguém se importará com a obra por muito tempo. Promessas são fáceis de fazer hoje em dia; dentro de pouco tempo não terão o pão cotidiano”.
A viagem levou mais que quatro meses. Acerca de uma das tempestades, um dos missionários escreveu:
“Durante todo o temporal, o senhor Taylor se comportou com a maior calma. Por fim os marinheiros recusaram-se a trabalhar. O comandante aconselhou todos a bordo a amarrarem os cintos de salvação, dizendo que o navio não resistiria à força das ondas mais que duas horas. Nessa altura, o comandante avançou na direção dos marinheiros com o revólver na mão. O senhor Taylor então aproximou-se dele e pediu-lhe que não obrigasse dessa forma os marinheiros a trabalhar. O missionário dirigiu-se também aos homens e explicou-lhes que Deus ia salvá-los, mas que eram necessários os maiores esforços de todas as pessoas a bordo. Acrescentou que tanto ele como todos os passageiros estavam prontos a ajudá-los, e que, como era evidente, as vidas deles também corriam perigo. Os homens convencidos por esses argumentos começaram a tirar os destroços,ajudados por todos nós; em pouco tempo conseguimos amarrar os grandes mastros, que batiam com tanta força que estavam demolindo um lado do navio”.
Foram horas de grande regozijo quando o “Lammermuir”, por fim, aportou, com todos sãos a bordo, em Shanghai. Outro navio que chegou logo após, perdera dezesseis das vinte e duas pessoas a bordo!
Os missionários iniciaram o ano de 1867 com um dia de jejum e oração, pedindo, como Jabez, que Deus os abençoasse e estendesse os seus termos. O Senhor os ouviu dando-lhes entrada, durante o ano, em outras tantas cidades! Encerraram o ano com outro dia de jejum e oração. Um culto durou das onze da manhã às três da tarde, sem ninguém se sentir enfadado. Outro culto se realizou às 8,30 da noite quando sentiram ainda mais a unção do Espírito Santo. Continuaram juntos em oração até a meia-noite, quando celebraram a Ceia do Senhor.
No início de 1867, o Senhor chamou Graça Taylor, filha de Hudson Taylor, para o Lar Eterno, quando ela completava oito anos de idade. No ano seguinte, a senhora Taylor e o filho, Noel, faleceram de cólera. Foi assim que se expressou o pai e marido:
“Ao amanhecer o dia, apareceu à luz do sol o que fora ocultado pela luz de vela – a cor característica da morte no rosto da minha esposa. O meu amor não podia ignorar por mais, não somente o seu estado grave, mas que realmente ela estava morrendo. Ao conseguir acalmar o meu espírito, eu lhe disse:
– Sabes, querida, que estás morrendo?
– Morrendo! Achas que sim? Por que pensas tal coisa?
– Posso ver, que sim, querida. As tuas forças estão se acabando.
– Será mesmo? Não sinto qualquer dor, apenas cansaço.
– Sim, estás saindo para a Casa Paterna. Brevemente estarás com Jesus.
“Minha preciosa esposa, lembrando-se de mim e de como eu devia ficar sozinho, em um tempo de tão grandes lutas, privado da companheira com a qual tinha o costume de levar tudo ao trono da graça, disse:- Sinto muito!
Então ela parou, como que querendo corrigir o que dissera, porém eu lhe perguntei:
– Estás triste por causa da partida para estar com Jesus?
“Nunca me esquecerei de como ela olhou para mim e respondeu:
– Oh! não. Bem sabes, querido, que durante mais de dez anos, não houve sombra alguma entre mim e meu Salvador. Não estou triste por causa da partida para estar com Ele, mas me entristeço porque terás de ficar sozinho nessas lutas. Contudo… Ele estará contigo e suprirá tudo o que é mister.”
“Nunca presenciei uma cena tão comovente” – escreveu o senhor Duncan. – “Com a última respiração da querida senhora Taylor, o senhor Taylor caiu de joelhos, o coração transbordando, e a entregou ao Senhor, agradecendo-lhe a dádiva e os doze anos e meio que passaram juntos. Agradeceu-lhe, também, pela bênção de Ele mesmo a levar para a sua presença. Então, solenemente dedicou-se a si mesmo novamente ao serviço do Mestre.
Não é de supor que Satanás deixasse a Missão do Interior da China invadir seu território com vinte e quatro outros obreiros, sem incitar o povo a maior perseguição. Foram distribuídos em muitos lugares, impressos atribuindo aos estrangeiros os mais horripilantes e bárbaros crimes, especialmente aos que propagavam a religião de Jesus. Alvoroçaram-se cidades inteiras e muitos dos missionários tiveram de abandonar tudo e fugir para escapar com vida.
Quase seis anos depois de o grupo do “Lammermuir” haver desembarcado na China, Hudson Taylor estava novamente na Inglaterra. Durante esse tempo da obra na China, a missão aumentava de duas estações com sete obreiros, para treze estações com mais de trinta missionários e cinqüenta obreiros, estando separadas as estações, uma da outra, na média de cento e vinte quilômetros.
Foi durante essa visita à Inglaterra que Hudson Taylor se casou com Miss Faulding, também fiel e provada missionária na China.
Acerca de Hudson Taylor, nesse tempo, certa pessoa amiga, escreveu:
“O senhor Taylor anunciou um hino, sentou-se ao harmônio e tocou. Não fui atraído por sua personalidade. Era de físico franzino e falou com voz mansa. Como os demais jovens, eu julgava que uma grande voz sempre acompanhava um verdadeiro prestígio. Mas quando ele disse: ‘Oremos e nos dirigiu em oração, mudei de parecer; eu nunca ouvira alguém orar como ele. Havia na sua oração uma ousadia, um poder que fez todas as pessoas presentes se humilharem e sentirem-se na presença de Deus. Falava face a face com Deus como um homem com um amigo. Sem dúvida, tal oração era o fruto de longa permanência com o Senhor; era como o orvalho descendo dos céus. Tenho ouvido muitos homens orarem, mas não ouvi ninguém como o senhor Taylor e o senhor Spurgeon. Ninguém, depois de ouvir como esses homens oravam, pode esquecer-se de tais orações. Foi a maior experiência da minha vida ouvir o senhor Spurgeon, quando tomou, como se fosse a mão do auditório de seis mil pessoas e as levou ao Santo dos Santos. E ouvir o senhor Taylor rogar pela China era reconhecer algo do que significa a súplica fervorosa do justo. “
Foi em 1874 quando, com a esposa, subiam o grande rio Yangtze e ele meditava sobre as nove províncias que se estendiam dos trópicos de Burma ao planalto de Mongólia e as montanhas de Tibete, que Hudson Taylor escreveu:
“A minha alma anseia, e o coração arde pela evangelização de centenas de milhões de habitantes dessas províncias sem obreiros. Oh! se eu tivesse cem vidas a dar ou gastar por eles!”
Mas, no meio da viagem, receberam notícias da morte da fiel missionária Amélia Blatchley, na Inglaterra. Ela não somente cuidava dos filhos do senhor Taylor, mas também servia como secretária da Missão.
Grande foi a tristeza de Hudson Taylor ao chegar à Inglaterra e achar não somente os seus queridos filhos separados e espalhados, mas a obra da Missão quase paralisada. Mas isso não foi ainda a sua maior tristeza. Na sua viagem pelo rio Yangtze, o senhor Taylor, ao descer a escada do navio, levou uma grande queda, caiu sobre os calcanhares e de tal maneira que o choque ofendeu a espinha dorsal. Depois que chegou à Inglaterra o incômodo da queda agravou-se até ele ficar acamado. Sobreveio-lhe então a maior crise da sua vida, justamente quando havia maior necessidade de seus esforços. Completamente paralítico das pernas, tinha de passar todo o tempo deitado de costas!
Uma pequena cama era a sua prisão; é melhor dizer que era a sua oportunidade. Ao pé da cama, na parede, estava afixado um mapa da China. E ao redor dele, de dia e de noite, estava a presença divina.
Aí, de costas, mês após mês, permaneceu o nosso herói, rogando e suplicando ao Senhor a favor da China. Foi-lhe concedida a fé para pedir que Deus enviasse dezoito missionários. Em resposta aos seus apelos para oração, escritos com a maior dificuldade e publicados no jornal, sessenta moços responderam de uma vez. Dentre eles, vinte e quatro foram escolhidos. Ali, ao lado do leito, ele iniciou aulas para os futuros missionários e ensinou-lhes as primeiras lições da língua chinesa – e o Senhor os enviou para a China.
Lê-se o seguinte acerca de como o missionário inutilizado em corpo, nesse tempo, ficou bom:
“Ele foi tão maravilhosamente curado, em resposta à oração, que podia cumprir com um incrível número de suas obrigações. Passou quase todo o tempo das férias, com seus filhos em Guernsey, escrevendo. Durante os quinze dias que passou ali, apesar de desejar compartilhar da delícia da linda praia, com seus filhos, saiu com eles apenas uma vez. Mas as cartas que enviou para a China e outros lugares valiam mais do que ouro.”
Certo missionário assim escreveu acerca de uma visita que lhe fez na China:
“Nunca me esquecerei do gozo e da amável maneira com que me saudou. Conduziu-me logo para o ‘escritório’ da Missão do Interior da China. Devo dizer que foi para mim uma surpresa, ou choque, ou ambas as coisas. Os ‘móveis’ eram caixotes. Uma mesa estava coberta de inúmeros papéis e cartas. Ao lado do lume havia uma cama, bem arrumada, tendo um pedaço de tapete a servir de cobertor. Nessa cama o senhor Taylor descansava de dia e de noite.
“O senhor Taylor, sem qualquer palavra de desculpa, deitou-se na cama e travamos a palestra mais preciosa da minha vida. Toda a idéia que eu tinha das qualificações para ser um ‘grande homem’ foi completamente mudada; não havia nele coisa alguma do espírito de superioridade. Vi nele o ideal de Cristo, da verdadeira grandeza, tão evidente que permanece ainda no meu coração, através dos anos, até o presente momento. Hudson Taylor reconhecia profundamente que, para evangelizar os milhões da China, era imperioso que os crentes na Inglaterra mostrassem muito mais de abnegação e sacrifício. – Mas como podia ele insistir em sacrifício sem primeiramente praticá-lo na sua própria vida? Assim ele, deliberadamente, cortou da sua vida toda a aparência de conforto e luxo.
“Nas viagens pelo interior da China, ele, invariavelmente, se levantava para passar uma hora com Deus antes de clarear o dia, às vezes, para depois dormir novamente. Quando eu despertava para alimentar os animais, sempre o achava lendo a Bíblia à luz de vela. Fosse qual fosse o ambiente ou o barulho nas hospedarias imundas, não descuidava o hábito de ler a Bíblia. Geralmente em tais viagens, orava de bruços, porque lhe faltavam as forças para permanecer tanto tempo de joelhos.
– Qual será o assunto do seu discurso, hoje? – perguntou-lhe certo crente que viajava com ele, de trem.
– Não tenho certeza; ainda não tive tempo de resolver, respondeu-lhe Hudson Taylor.
– Não teve tempo! – exclamou o homem. – Ora, que faz o senhor a não ser descansar depois de assentar-se aí?
– Não conheço o que seja descansar. – foi a resposta calma que ele deu.
“Depois de embarcarmos em Edinburgo, passei todo o tempo orando e levando todos os nomes dos membros da Missão do Interior da China, e os problemas de cada um, ao Senhor.”
Está além da nossa compreensão como no meio de uma das maiores obras de evangelização de toda a história, ele podia dizer:“Nunca fomos obrigados a abandonar uma porta aberta, por falta de recursos. Apesar de muitas vezes gastarmos até o último pêni, a nenhum dos obreiros nacionais nem a nenhum dos missionários, faltou o prometido ‘pão’ cotidiano. Os tempos de provações são sempre tempos abençoados e o que é necessário nunca chega demasiado tarde.”
Outro segredo do seu grande êxito de levar a mensagem de salvação ao interior da China era a determinação de que a obra não somente continuasse com caráter internacional, mas também, interdenominacional – que aceitasse missionários dedicados a Deus, de qualquer nação e de qualquer denominação.
Em 1878, ao regressar de uma viagem, começou a orar pedindo que Deus enviasse mais trinta missionários antes de findar o ano de 1879. Diremos, ao lembrarmo-nos do dinheiro necessário para pagar as passagens e sustentar tantas pessoas, que a sua fé era grande. Pois bem, vinte e oito pessoas, com os corações acesos pelo desejo de salvação dos perdidos na China, confiando em Deus para o seu sustento cotidiano, embarcaram antes de findar o ano de 1878 e mais seis em 1879.
Conversando com um companheiro de lutas, na cidade de Wuchang, Hudson Taylor começou a enumerar os pontos estratégicos em que deviam começar logo a evangelizar os dois milhões de habitantes do vale do grande rio Yangt-ze e o do seu tributário, o rio Hã. Com menos de cinqüenta ou sessenta novos obreiros, a Missão não podia dar tal passo – e a própria Missão não tinha mais de um total de cem! Contudo, a Hudson Taylor foi dada a fé de pedir outros setenta – lembrado das palavras: “Designou o Senhor ainda outros setenta”.
“Reunimo-nos hoje para passar o dia em jejum e oração” – escreveu Hudson Taylor em 30 de junho de 1872. – “O Senhor nos abençoou grandemente… Alguns passaram a maior parte da noite em oração… O Espírito Santo nos encheu até nos parecer ser impossível receber mais sem
morrer.”
Em certo culto, durante quase duas horas, louvaram ininterruptamente a Deus pelos setenta obreiros já recebidos – pela fé. E, em realidade, foram recebidos mais do que setenta, e dentro do prazo marcado.
O Senhor conduziu a Missão, pouco a pouco para uma visão ainda mais larga – levou os obreiros a pedirem ao Senhor outros cem, em 1887. Assim, disse o senhor Stephenson: “Se me mostrassem uma foto de todos os cem, batida aqui na China, não seria mais real do que realmente é.”
Contudo, Hudson Taylor não iniciou precipitadamente o programa de orar e se esforçar para receber mais cem missionários. Como sempre, devia ter certeza da direção de Deus antes de resolver orar e se esforçar para alcançar o alvo.
Seis vezes mais do que o número que pediram, se ofereceram para ir! Mas, a Missão rejeitou fielmente a todos que não concordaram com os princípios declarados desde o início. Assim, exatamente o número pedido embarcou para a China. – Não foram cento e um, nem noventa e nove, mas exatamente cem.
Depois da visita de Hudson Taylor ao Canadá, aos E.U.A. e à Suécia em 1888 e 1889, a Missão do Interior da China gozou de um dos maiores impulsos para avançar em todos os anais da história de missões. Assim escreveu depois, o nosso missionário, acerca do que lhe pesava grandemente no coração durante toda a sua visita à Suécia:
“Confesso-me envergonhado de que, até essa ocasião, nunca tinha meditado sobre o que o Mestre realmente queria dizer ao mandar pregar o Evangelho ‘a toda a criatura’. Esforcei-me durante muitos anos, como muitos outros servos de Deus, para levar o Evangelho aos lugares mais distantes; planejei alcançar todas as províncias e muitos dos distritos menores da China, sem compreender o sentido evidente das palavras do Salvador.
“‘a toda a criatura’? O número total de comunicantes entre os crentes da China não excedia quarenta mil. Se houvesse outro tanto de aderentes, ou mesmo três vezes mais, e se cada um levasse a mensagem a oito de seus patrícios – mesmo assim, não alcançariam mais de um milhão. ‘a toda a criatura’! as palavras abrasavam-lhe o íntimo da alma. Mas como a Igreja, e eu mesmo, falhávamos em aceitá-las justamente como Cristo queria! Isso eu percebi então; para mim havia apenas uma saída, a de obedecer.
“Qual será a nossa atitude para com o Senhor Jesus Cristo quanto a essa ordem? Suprimiremos o título Penhor’, que lhe foi dado, para reconhecê-lo apenas como nosso Salvador? Aceitaremos o fato de Ele tirar a penalidade do pecado, e recusaremos a confessarmo-nos comprados por bom preço, e que Ele tem o direito de esperar a nossa obediência implícita? Diremos que somos os nossos próprios senhores, prontos a conceder-lhe apenas o que lhe é devido, a Ele que comprou-nos com seu próprio sangue, com a condição de Ele não pedir demasiado? As nossas vidas, os nossos queridos, as nossas possessões são somente nossas, não são dele? Daremos o que acharmos conveniente e obedeceremos à sua vontade somente se Ele não nos pedir demasiado sacrifício? Estamos prontos a deixar Jesus Cristo nos levar aos céus, mas não queremos que esse homem ‘reine sobre nós’?
“O coração de todos os filhos de Deus rejeitará, certamente uma afirmação assim formulada. Mas não é verdade que inumeráveis crentes, em todas as gerações, se comportaram tal como se isso fosse a base própria para suas vidas? São poucas as pessoas entre o povo de Deus que reconhecem a verdade de que, ou Cristo é o Senhor de tudo, ou então não é Senhor de coisa alguma! Se somos nós que julgamos a Palavra de Deus, e não a Palavra que nos julga; se concedemos a Deus somente o quanto quisermos então somos nós os senhores e Ele o nosso devedor e, conseqüentemente, Ele deve ser grato pela esmola que lhe concedemos; deve sentir-se obrigado por nossa concordância aos seus desejos. Se, ao contrário, Ele é Senhor então tratemo-lo como Senhor: ‘E por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?'”
Foi assim que Hudson Taylor, sem esperar, alcançou a mais larga visão da sua vida, a visão que dominou a última década de seu serviço. Com os cabelos já grisalhos, após cinqüenta e sete anos de experiência, enfrentou o novo sentido de responsabilidade com a mesma fé e confiança que o caracterizavam quando era mais novo. Sua alma ardia ao meditar nos alvos antigos! Ficou ainda mais firme ao executar a visão de outrora!
Foi assim que sentiu a direção de unificar todos os grupos evangélicos, que trabalhavam na evangelização da China, para orarem e se esforçarem para aumentar o número de missionários, enviando-se à China outros mil, dentro de cinco anos. O número exato enviado à China durante esse prazo, foi de mil cento e cinqüenta e três!
Não é, pois, de admitir que as forças físicas de Hudson Taylor começassem a faltar, não tanto pelas privações e cansaço das viagens contínuas, nem pelos esforços incansáveis em escrever e pregar, nem pelo peso das grandes e inumeráveis responsabilidades de dirigir a Missão do Interior da China. Os que o conheciam intimamente sabiam que era um homem gasto de tanto amar.
A gloriosa colheita de almas na China aumentava cada vez mais. Mas a situação política do país piorava dia após dia até culminar na Carnificina dos Boxers, no ano de 1900, quando centenas de crentes foram mortos. Somente da China Inland Mission pereceram cinqüenta e oito missionários, e vinte e um de seus filhos.
Hudson Taylor, com a sua esposa, estavam novamente na Inglaterra, quando começaram a chegar telegrama após telegrama avisando-os dos horripilantes acontecimentos na China; aquele coração que tanto amava a cada missionário, quase cessou de pulsar. Acerca desse acontecimento assim se manifestou: “Não sei ler, não sei pensar, nem mesmo sei orar, mas sei confiar.”
Certo dia, alguns meses depois, Hudson Taylor, com o coração transbordante e as lágrimas correndo-lhe pelas faces, estava contando o que lera em uma carta que acabara de receber de duas missionárias, escrita um dia antes de elas morrerem nas mãos dos boxers. Eis o que ele disse:
“Oh! o gozo de sair de tal motim de pessoas enfurecidas para estar na sua presença, para ver o seu sorriso!” Quando pôde continuar, acrescentou: “Elas agora não estão arrependidas. Têm a imperecível coroa! Andam com Cristo em vestes brancas, porque são dignas”.
Falando acerca de seu grande desejo de ir a Shanghai, para estar ao lado dos refugiados, ele disse: “Não sei se poderia ajudá-los, mas sei que me amam. Se pudessem chegar-se a mim nas tristezas para chorarmos juntos, ao menos poderiam ter um pouco de conforto.” Mas ao lembrar-se de que tal viagem lhe era impossível por causa da saúde, a sua tristeza parecia maior do que podia suportar.
Apesar de sentir profundamente a sua incapacidade para trabalhar como de costume, achou grande conforto em estar com a sua esposa, a qual tanto amava. Findara o tempo em que deviam passar longos meses e anos separados um do outro, nas lutas em tantos lugares.
Foi em 30 de julho de 1904 que sua esposa faleceu. “Não sinto nada de dor, nada de dor”, dizia ela, apesar da ânsia em respirar. Então, de madrugada, percebendo a angústia de espírito do seu marido, pediu-lhe que orasse rogando ao Senhor que a levasse logo. Foi a oração mais difícil da vida de Hudson Taylor, mas por amor dela, ele orou pedindo a Deus que libertasse o espírito da sua esposa. Logo que orou, dentro de cinco minutos cessou a ânsia e não muito depois ela adormeceu em Cristo.
A desolação de espírito de Hudson Taylor sentiu depois da partida da sua fiel companheira era indescritível. Todavia, achou indizível paz nesta promessa: “A minha graça te basta.” Começou a recuperar as forças físicas e na primavera fez a sua sétima viagem aos E.U.A. Daí fez a última viagem à China, desembarcando em Shanghai em 17 de abril de 1905.
O valente líder da Missão, depois de tão prolongada ausência, foi recebido em todos os lugares com grandes manifestações de amor e estima da parte dos missionários e crentes, especialmente dos que escaparam dos intraduzíveis espetáculos da insurreição dos Boxers.
Em Chin-Kiang, o veterano missionário visitou o cemitério onde estão gravados os nomes de quatro filhos e o da esposa. As recordações eram motivo de grande gozo, isto é, o dia da grande reunião se aproximava.
No meio da viagem, quando visitava as igrejas na China, sem ninguém esperar, nem ele mesmo, findou a sua carreira na terra. Isso aconteceu na cidade de Chang-sha em 3 de junho de 1905. Sua nora contou o seguinte, sobre esse acontecimento:“O querido papai estava deitado. Como sempre gostava de fazer, tirou as cartas, dos queridos, da sua carteira e as estendeu sobre a cama. Baixou-se para ler uma das cartas perto do candeeiro aceso colocado na cadeira ao lado do leito. Para que ele não se sentisse demasiadamente incomodado, puxei outro travesseiro e o coloquei por baixo da sua cabeça e assentei-me numa cadeira ao seu lado. Mencionei as fotografias da revista, Missionary Review, que estava aberta sobre a cama. Howard tinha saído para ir buscar algo para comer, quando papai, de repente, virou a cabeça e abriu a boca como se quisesse espirrar. Abriu a boca a segunda, e a terceira vez. Não clamou; não pronunciou qualquer palavra. Não mostrou qualquer dificuldade para respirar – nada de ânsia. Não olhou para mim, e não parecia cônscio… Não era a morte, era a entrada na vida imortal. Seu semblante era de descanso e sossego. Os vincos do rosto feitos pelo peso da luta de longos anos pareciam haver desaparecido em poucos momentos. Parecia dormir como criança no colo da mãe; o próprio quarto parecia cheio de indizível paz.”
Na cidade de Chin-Kiang, à beira do grande rio que tem a largura de mais de dois quilômetros, foi enterrado o corpo de Hudson Taylor.
Muitas foram as cartas de condolências recebidas de fiéis filhos de Deus no mundo inteiro. Emocionante foram os cultos celebrados em vários países, em sua memória. Impressionantes foram os artigos e livros impressos acerca das suas vitórias na obra de Deus. Mas as vozes mais destacadas, as que Hudson Taylor apreciaria mais, se pudesse ouvi-las, eram as das muitas crianças chineses, que, cantando louvores a Deus, deitaram flores sobre o seu túmulo.
(extraido do livro hérois da fé)
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